terça-feira, 3 de abril de 2012

Um bom ano – 3ª parte, o verão.


“Eles me prenderam aqui. Me amarraram como se eu fosse um animal. Fizeram comigo o pior que se pode fazer a um perdido... Me raptaram. Me tiraram de minha vida e me obrigaram a isso... uma sala acolchoada e isolada na sebe. Eles não tem noção de como isso me deixa puto!”.

Arthur, Coração de Leão, é um membro um tanto quanto antigo do feudo-franco de São Francisco. Por muito tempo foi o Xerife do fogo sob o comando de Tim, o Solar. Alguns até poderiam implicar com a coincidência dele ser trancafiado no sanatório meses depois de seu líder ser banido da cidade. Na época ele era o mais interessado em colocar o evento em pratos limpos... Mas não era possível negar que seus métodos eram um tanto quanto violentos demais.

“Violento demais... violento demais... Quem eles pensam que eu sou?! Violência é o que eu vou fazer quando sair daqui. Malditos miseráveis! Bando de ratos influenciáveis!”.


Passava os dias confinado nos alojamentos secretos do hospício do verão. Enterrado nas profundezas de um fortificado vão na sebe, a fim de amenizar seus rompantes de violência. Na época de sua ‘condenação’ havia uma quantidade razoável de acusações sobre agressão. Tanto de outros membros do verão quanto da primavera. Até mesmo um membro do outono havia sido agredido por ele na busca incessante pela verdade. Mas agora era mantido ali, sem qualquer acesso ao glamour, dado ao fato de repetidamente transmitir seus rompantes de fúria para os outros internos. E frequentemente sedado para se tornar ao menos relacionável durante suas sessões de ‘tratamento’.

E se fosse ele capaz de superar qualquer raiva que sentia pelos envolvidos na troca de seu antigo líder, isso seria feito pela transferência de seu ódio a Todd, o psiquiatra.

— Nina, pode me ouvir? — Ele, literalmente falava com a parede.

— O suficiente, Leão. — A parede lhe respondeu. — Você está machucado? Eu posso te ajudar? Deixe-me te ajudar...

— Controle-se garota! Assim como eu você está seca. Eles também te mantem sem acesso a seus contratos. — Arthur estava ali há tanto tempo, e ouvia tantas histórias ditas pela porta que conhecia cada um dos internos. Cada uma das infelizes almas que se sujeitavam ao mesmo sofrimento que ele. — Escute-me, Nina. O Psiquiatra conhece minhas capacidades, pois elas também são as dele. Ele me mantem sedado todos os dias quando o sol se aproxima de seu ápice, pois sabe que eu poderia despertar toda minha raiva mesmo sem glamour.

Os poderes dos changelings eram adequadamente chamados de contratos devido a momentos como aquele. Além dos contos sobre como antigos perdidos haviam feito um acordo com as forças da realidade, a característica que definia aqueles poderes como um contrato era o fato de que suas cláusulas tinham brechas. Arthur lutou muito durante seu tempo como xerife do fogo, e isso o permitiu conhecer intimamente os dons de sua feição, a força do coração do leão dentro dele, e as habilidades que seu alvo de grande devoção, o verão, dava-lhe. Infelizmente ao ser privado de glamour, tornou-se incapaz de acessar os poderes do leão, mas ainda existiam maneiras de usufruir do poder do verão, e só precisava convencer ‘honestamente’ a jovem perturbada Nina a fazer a parte dela no mirabolante plano de fuga.

Claro que a vinculação com o ‘inimigo’ da primavera em questão levou muito tempo para ser aceita por ele mesmo. E na ironia da coisa, seria possível agradecer o psiquiatra por ter-lhe direcionado o ódio a ponto dele conseguir pensar lucidamente sobre isso.

— Se você despertar sua raiva, muitas pessoas vão se ferir, não é? Você vai se ferir? Eu vou poder ajudar? — Dizia a voz além da parede. Voz que tremia simultaneamente de receio e expectativa. — Como eu ajudo-o a ferir tantas pessoas? Digo... O que preciso fazer para fugirmos daqui?

— A hipocrisia do Psiquiatra é nossa arma, Nina. — Ele encostou a testa na parede que o separava da garota. Apesar dele não a ver e dela ser um membro da odiada primavera, durante muito tempo era a única companhia dele. E mesmo ele percebendo a loucura em tudo que ela dizia, era muito difícil não se afeiçoar. — Eles te mantem aqui porque dizer que está viciada em curar os feridos... que isso tornou-se autodestrutivo e que você vinha tendo comportamentos sociopatas para que pessoas se machucassem e você tivesse a oportunidade de agir...

Arthur engoliu seco por um instante, sentia-se péssimo por manipular aquela garota. Ele realmente sempre preferira o confronto franco e direto com todos os problemas, abominava esse tipo de estratégia manipulativa e dissimulada, mas não havia restado alternativas.

— Não entendo como isso pode ser errado. Digo, querer ajudar as pessoas! Eu não machucaria ninguém... Eu amo demasiadamente a vida. É só isso... é só isso... — A voz se aproximou, provavelmente ela também se encostara na parede do outro lado. — Você acha que eu sou essa pessoa ruim que eles imaginam?

— Não, você é uma pessoa maravilhosa, Nina. — Falava por entre seus conflitos. — Mas você está aqui já faz algum tempo, e não ouvimos falar sobre sua corte tentar lhe ajudar... A final você não estava apenas seguindo seus desejos? Nós precisamos nos ajudar, já que ninguém parece interessado em fazê-lo. Preciso que você finja um tipo de ataque da próxima vez que o hipócrita do psiquiatra te tirar daqui para salvar a vida de alguém lá em cima. Algo que o distraia tempo suficiente para ele perder a hora de me sedar antes do sol a pino.

Isso era algo que incomodava Arthur profundamente. A forma como Todd ‘tratava’ Nina. Usando-a para seus próprios interesses em curar outros perdidos, ou mesmo humanos, que estavam além de sua capacidade médica. Segundo o hipócrita, só estava dosando a aplicação de cura da garota, ensinando-a que existiam momentos certos para aplicar sua obsessão.

— Eu posso fazer isso, posso tentar lutar contra eles quando tentarem me dopar... Mas não acho que isso durará muito tempo. A menos que os horários se coincidam, e eu não tenho muita noção do tempo aqui embaixo. —E havia algum medo em sua voz. — Eu poderei cuidar da pessoa antes, não é mesmo?

— Esse é ponto, Nina. Você não pode. Precisará resistir a isso. Por nós, pela nossa fuga... — E então, surgia o memento da fala que mais lhe feria os próprios princípios. — Pense em quantas pessoas se ferirão durante a fuga, e como elas precisarão de você!

Esse era o ponto máximo do plano. Considerando que para curar as pessoas Nina precisaria de Glamour, era obvio que o psiquiatra a levaria até fontes úteis. Isso já vinha acontecendo a tempos, esses usos inadequados dos dons dela, Arthur sabia também que ela não se limitava ao que ele oferecia a ela para o evento, sempre pegando um pouco mais, sempre guardando um pouquinho de glamour na esperança de ter ainda mais oportunidades de usa-lo. Era com isso que Arthur contava, Nina estando certa sobre a incompatibilidade de horários, ele estava disposto a forjar com ela uma promessa de bando. Unir-se a ela ao ponto de poderem comungar do Glamour que ela carregaria se resistisse a tentação de curar uma pessoa.

E essa a força que ele precisaria para arrebentar com camisas de força e portas. No fim, a vontade dela também seria atendida, haveria muitas, muitas pessoas feridas.

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